Desde que revistas voltadas para o público adolescente e
apresentadores de programas começaram a dar algum destaque a youtubers – bem
como editoras aos booktubers –, algumas pessoas se sentiram compelidas a
maldizê-los. “É muito fácil ganhar dinheiro só por falar com uma câmera”, eles
repetem, “e pior ainda: desde quando youtuber é escritor? É o fim da
literatura!”
Será?
Tenho uma amiga que se considera péssima em linguagens.
Desde jovem entendeu que tinha afinidade com a área de exatas e passou a
dedicar-se a ela, cultivando empecilhos e obstáculos quando se tratava da
língua-mãe, também conhecida como nosso maior patrimônio cultural. Entretanto,
em uma dessas conversas descompromissadas dentro do ônibus, a caminho de casa,
ela revelou que havia lido um livro cuja linguagem simples a cativou e, logo
após, pedido para que a mãe comprasse outros dois.
O livro “que a despertou para os prazeres literários” é o
atual bestseller “Muito Mais Que Cinco Minutos”, da youtuber Kefera Buchmann –
aliás, livro esse que despertou impulsos animalescos em pessoas aparentemente
cultas, sendo capazes de gravar vídeos queimando-o e desferindo diversos
xingamentos contra um amontoado de páginas.
Poupando-os de detalhes da conversa e prosseguindo para o
objetivo deste texto, pergunto-lhes de coração: desde quando somos obrigados a
começar a ler através de Machado de Assis?
Abrindo o meu coração e reforçando o meu ponto de vista,
conto que comecei a ler cedo – imaginem uma criança com um livro de Drummond em
mãos e ria – por meio de contos de fadas, fábulas e histórias infantis.
Confesso que até hoje sou apaixonada por livros infantis: sua simplicidade e
pureza me encantam – e em momento algum esse carinho me impediu de buscar
livros antigos e cuja linguagem me fizesse consultar um dicionário. Muito pelo
contrário.
Quanto mais lemos, mais nos desafiamos. Chegará o momento em
que você visitará despretensiosamente a biblioteca da escola/faculdade, passará
a ponta dos dedos por um livro de Homero e acabará devorando suas ideias.
A hipocrisia dos dias atuais é: as mesmas pessoas que
outrora defendiam a diversidade literária, crucificam aqueles que escrevem
livros para jovens. Para ser um leitor, não devemos gostar de José de Alencar,
Manuel Bandeira ou Luís de Camões – devemos apenas gostar de ler. E se o autor
que o motivou a devorar uma história foi uma youtuber ou Scott Fitzgerald, que
diferença faz? Quem poderia dizer se o autor de “O Grande Gatsby” não teria,
hoje, um canal no youtube sobre culinária ou publicidade?
Por isso, deixo aqui meu apelo para reflexão: quem disse que
youtuber não é gente? Se eles são capazes de desenvolver roteiros para vídeos e
conquistar milhares de internautas, quem dirá se eles não serão os
responsáveis por fazer a geração-virtual desligar o computador e comprar um
livro?
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